E-FACTURA: SIMPLIFICAÇÃO VERSUS CONTROLO
O Decreto-Lei n.o 28/2019 de 15 de Fevereiro veio alterar o Decreto-Lei n.o 198/2012, de 24 de Agosto, afirmando-se como tendo por objetivos principais promover a simplificação legislativa para a dedução das despesas em sede de pagamento de impostos, tendo presente as recomendações da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) quanto à transmissão da informação relativa aos bens e serviços adquiridos por pessoas singulares.1
O referido diploma afirma no seu preâmbulo que consagra, normas estritas em matéria de protecção de dados pessoais, mantendo-se a exclusão de comunicação à Autoridade Tributária dos elementos das faturas que contenham a descrição dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, mas a verdade é que apenas se encontra uma norma nesse sentido.2
Já o Decreto-Lei n.o 198/2012 de 24 de Agosto, por sua vez no art.o 6.o já estabelecia quanto à confidencialidade3 e segurança da informação que os dados pessoais comunicados à Autoridade Tributária estão abrangidos, além de apenas para as “finalidades previstas”, pelo dever de confidencialidade , e apenas podem ser utilizados, nomeadamente, quando existir autorização do contribuinte, nos casos de cooperação legal, no caso de assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de convenções internacionais a que o Estado Português esteja vinculado, quando haja colaboração com a justiça, para confirmação do número de identificação fiscal e domicílio fiscal às entidades legalmente competentes para a realização do registo comercial, predial ou automóvel.4
A Autoridade Tributária tem a obrigação de adoptar as medidas de segurança necessárias relativamente aos dados pessoais comunicados para impedir a respetiva consulta ou utilização indevida por qualquer pessoa ou forma não autorizada e para garantir que o acesso aos dados pessoais está limitado às pessoas autorizadas no âmbito das suas atribuições legais.
No entanto, o Decreto-Lei n.o 28/2019 de 15 de Fevereiro, embora preveja como intenção conceder aos contribuintes uma maior segurança jurídica, deixa várias dúvidas no ar, uma vez que de diversas normas5 resulta que a Autoridade Tributária tem um amplo poder de acessibilidade e legibilidade às informações do contribuinte, tendo ainda direito de acesso em linha, ao descarregamento e à utilização dos dados constantes das facturas e demais documentos fiscalmente relevantes emitidos e recebidos por via eletrónica.
Acresce que, ao exigir que quando as pessoas singulares identificadas nas faturas, estas sejam transmitidas à Autoridade Tributária contendo a discriminação dos bens ou serviços concretamente adquiridos, poderá constituir uma previsão que vai para lá do escopo que o Diploma se propõe a cumprir.
Pelo que, o tratamento desses dados pessoais além das “finalidades previstas” desrespeita o princípio da minimização dos dados pessoais e o princípio da proporcionalidade6, e o respeito pela vida privada consagrados na Constituição da República Portuguesa7.
1Cfr. Parecer 45/2018 de 9 de Outubro, da CNPD, processo n.o 10496/18.
2Com excepção do art.o 12.o.
3Previsto no artigo 64.o da Lei Geral Tributária.
4Acrescentado ainda que não contende com o dever de confidencialidade a divulgação de listas de contribuintes cuja situação tributária não se encontre regularizada; a publicação de rendimentos declarados ou apurados por categorias de rendimentos, contribuintes, sectores de actividades ou outras, de acordo com listas que a administração tributária deve organizar anualmente a fim de assegurar a transparência e publicidade; a notificação, pela administração tributária, de sujeito passivo que disponibilize uma interface eletrónica para efeitos de acionar a responsabilidade solidária deste.
5Por exemplo os Art.os 8.o, 11.o, 19.o, 28.o, 32.o, 33.o e 38.o. 6Art.o 5.o e 25.o do RGPD.
7Art.os 35.o e 26.o da CRP.
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